O quarto
Um
silêncio estarrecedor tomou o ambiente por longos dois minutos. Sabia que ela
estava elaborando uma engenhosa artimanha para desviar o foco do assunto
principal. Os adultos são craques nisso! Este, junto da desilusão, é o primeiro
sinal de que estamos um pouco crescidos.
Sentou
em sua posição de confronto, típica desses momentos. Com o braço sobre a mesa e
a perna direita um pouco levantada, fazia um ar de que aquele contexto todo não
a incomodava.
Aquela
mesa virou um tabuleiro de xadrez, onde eu acabara de dar um cheque. Mas o jogo
não estava ganho e ela tinha suas peças expostas. A qualquer momento poderia
utilizar da rainha para mostrar sua posição hierárquica e acabar com a
brincadeira.
Mas,
em um minuto, dei o mate:
-
Mãe, eu quero saber tudo sobre o papai para ter uma visão real das coisas.
Vocês não podem me proteger de tudo pelo resto da vida. Uma hora ou outra eu
vou ter que tomar meu caminho e criar consciência.
Por
mais dois minutos o silêncio tomou o ambiente. Agora, a boca aberta dela e meu
meio sorriso irônico davam o tom de quem havia ganho aquele combate.
Sem
uma palavra fui direcionado para o quarto. Lá, um ambiente escuro guardava
milhares de fitas, fotos e cadernos empilhados por cores chamativas. Placas
sinalizavam o que cada uma das pilhas significava:
-
Perri, sabe aquele documentário: “Os desbravadores do norte’’, sobre aquele
grupo de rapazes que estudaram o lado norte inteiro e trouxeram para cá todas
as informações que precisávamos?
-
Sim, amo quando passa aquilo...
- Então,
naquele vídeo tem um cara que aparece com o rosto sempre rabiscado, por não
poder ser identificado. Esse cara, que chamam de Orwell, na verdade é Perri J.
Coller, mas conhecido como seu pai.
O
rosto dele aparece assim devido a anos de brigas com o governo. O sonho de seu
pai era que o lado norte junta-se, novamente, com o sul, como deixou de
aparecer nos livros de escola. Segundo ele, o que parece um mar de rosas é uma
conjuntura sanguinária que ilude a todos.
Tomei um susto enorme. Em um
segundo, tudo que eu imaginava sobre meu progenitor era jogado às traças. O
cara da paz, trabalhador convencional que não fazia mal a ninguém era, na
verdade, um dos maiores guerrilheiros que meu Arquipélago já teve. Um misto de
orgulho e revolta revirou meus órgãos enquanto me segurava para não bater
naquela mulher. Sim, agora todos entendem o porquê não cito nem citarei seu
nome durante esses maltrapilhos escritos. A pessoa, que me deu a vida inspirou
confiança e fez minha personalidade, mentiu do jeito mais hipócrita possível.
Dei um chute na porta, antes
de sair do quarto, para mostrar a verdadeira dor. Naquele momento o que interessava era chegar
logo ao lugar que meu pai tanto amava. Quem sabe eu poderia ir e ficar lá de
vez. Seria melhor que olhar para o rosto daquela mulher.
Nenhum comentário:
Postar um comentário