quinta-feira, 21 de agosto de 2014

#OmundodePerri

O quarto


Um silêncio estarrecedor tomou o ambiente por longos dois minutos. Sabia que ela estava elaborando uma engenhosa artimanha para desviar o foco do assunto principal. Os adultos são craques nisso! Este, junto da desilusão, é o primeiro sinal de que estamos um pouco crescidos.
Sentou em sua posição de confronto, típica desses momentos. Com o braço sobre a mesa e a perna direita um pouco levantada, fazia um ar de que aquele contexto todo não a incomodava.
Aquela mesa virou um tabuleiro de xadrez, onde eu acabara de dar um cheque. Mas o jogo não estava ganho e ela tinha suas peças expostas. A qualquer momento poderia utilizar da rainha para mostrar sua posição hierárquica e acabar com a brincadeira.
Mas, em um minuto, dei o mate:
- Mãe, eu quero saber tudo sobre o papai para ter uma visão real das coisas. Vocês não podem me proteger de tudo pelo resto da vida. Uma hora ou outra eu vou ter que tomar meu caminho e criar consciência.
Por mais dois minutos o silêncio tomou o ambiente. Agora, a boca aberta dela e meu meio sorriso irônico davam o tom de quem havia ganho aquele combate.
Sem uma palavra fui direcionado para o quarto. Lá, um ambiente escuro guardava milhares de fitas, fotos e cadernos empilhados por cores chamativas. Placas sinalizavam o que cada uma das pilhas significava:
- Perri, sabe aquele documentário: “Os desbravadores do norte’’, sobre aquele grupo de rapazes que estudaram o lado norte inteiro e trouxeram para cá todas as informações que precisávamos?
- Sim, amo quando passa aquilo...
- Então, naquele vídeo tem um cara que aparece com o rosto sempre rabiscado, por não poder ser identificado. Esse cara, que chamam de Orwell, na verdade é Perri J. Coller, mas conhecido como seu pai.
O rosto dele aparece assim devido a anos de brigas com o governo. O sonho de seu pai era que o lado norte junta-se, novamente, com o sul, como deixou de aparecer nos livros de escola. Segundo ele, o que parece um mar de rosas é uma conjuntura sanguinária que ilude a todos.

Tomei um susto enorme. Em um segundo, tudo que eu imaginava sobre meu progenitor era jogado às traças. O cara da paz, trabalhador convencional que não fazia mal a ninguém era, na verdade, um dos maiores guerrilheiros que meu Arquipélago já teve. Um misto de orgulho e revolta revirou meus órgãos enquanto me segurava para não bater naquela mulher. Sim, agora todos entendem o porquê não cito nem citarei seu nome durante esses maltrapilhos escritos. A pessoa, que me deu a vida inspirou confiança e fez minha personalidade, mentiu do jeito mais hipócrita possível.
Dei um chute na porta, antes de sair do quarto, para mostrar a verdadeira dor.  Naquele momento o que interessava era chegar logo ao lugar que meu pai tanto amava. Quem sabe eu poderia ir e ficar lá de vez. Seria melhor que olhar para o rosto daquela mulher.

Sai dali decidido a chegar ao lado norte. Mais que isso, cheguei decidido a descobrir quem foi e como foi meu pai de verdade.


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