A carta do papai
Acordei cedo naquela
quarta-feira. Havíamos marcado uma reunião na casa de Oton para discutir sobre
as roupas que usaríamos no grande dia. Samuel, com seu ar de estilista, ficou
de levar peças para provarmos e analisarmos se estávamos irreconhecíveis.
Apesar da pressa, segui
minha rotina normal. Acordei, beijei o altar dos doze mestres, fui ao banheiro
fazer o básico e depois para a mesa do café. Acontece que uma coisa fugiu da
métrica convencional. No corredor dos quartos, a porta do quartinho do “papai”
estava com uma pequena fresta aberta. Minha mãe nunca deixou aquele aposento
aberto desde que meu pai morreu. Até então, a vida dele era um mar de rosas que
terminou em fatalidade.
Minha mãe contava histórias
dele desde que me entendo por gente. Falava do tanto que ele nos amava e como
éramos uma família feliz. Até meus dez anos, não sabia nada sobre a morte dele.
Sempre que perguntava minha mãe vinha com a mesma balela de que eu iria saber
na hora certa ou que onde estivesse ele estaria conosco.
Quando tinha, mais ou menos,
uns nove anos, comecei a me rebelar com aquela situação. Perguntava sempre
sobre “como papai foi embora” ou o porquê ele havia desencarnado.
Como a insistência pelo
escândalo é uma das dádivas aprendidas desde a infância, minha mãe encheu o
saco e estabeleceu uma meta:
- Perri, meu amor, vamos
fazer assim. Quando você fizer dez anos conto tudo sobre quem foi seu pai. Disse
ela, colocando a mão em meu ombro e beijando minha testa.
Com certeza ela disse aquilo
para encerrar o assunto, imaginando que eu não ia me lembrar.
Mas, pouco antes do meu aniversário, uma conversinha breve mostrou que não era
bem assim:
- Perri, meu lindo, já vai
completar uma década. Dez anos é uma data importante e temos que comemorar.
Olhei bem para o canto e vi
que recebi minha oportunidade de ouro:
- Obrigado mãe, mas para mim
o mais importante vai ser conhecer quem foi o papai.
O tom alegre da conversa se
transformou em velório de irmã mais nova. O rosto dela se transformou naquele
instante. Com o ar pálido e uma carinha de lesma na menopausa, ela não tinha
resposta. Afinal, “promessa é divida”!
Continua...
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