quarta-feira, 23 de julho de 2014

Por acaso...


Imagine a cena de seu próprio velório. Antes de morrer, você recebeu um comunicado que, por acaso, deixava que todos os presentes pudessem receber um último recado seu. Mas, você não poderia falar com ninguém, todos lhe veriam como uma figura muda. Seu único meio de comunicação seria um vídeo de três minutos com a música abaixo como plano de fundo.
Além disso, por acaso, nos arredores da plataforma mística onde você recebeu tal recado, havia uma super mesa de vídeo. Nela, imagens da sua vida eram mostradas em velocidade reduzida, aumentando o teor emocional e intuitivo de cada situação.
Por acaso, ao lado da mesa estava uma plaqueta, com o seu nome, onde estava escrito: “Faça sua história”.
Como tinha pouco tempo para ver todos os arquivos, você resolveu ir deletando por partes que julgava menos importantes. Primeiro: todas as reuniões de trabalho, discussões com chefes e embates de qualquer gênero, número e grau, voltados para as finanças. Percebeu, enfim, que dinheiro, realmente, não era tudo. Depois, todos os momentos com drogas onde, mesmo rindo, sabia que o sorrir emitido por aquela boca, bem no fundo, não era a sua verdadeira felicidade. Ai vieram as discussões familiares por besteiras. Como pode passar tanto tempo se desgastando com quem amava por utopias infantis ligadas a bens materiais?
Faltava apenas uma hora para entregar o vídeo. Enfim, tinha eliminado tudo o que era ruim, que não valia ser apresentado. Agora, era só colocar tudo que era lindo e maravilhoso. Momentos com os filhos, abraços paternos de infância, brincadeiras com o cachorro e aniversários com bolo de cenoura permeavam o cenário todo. Parecia que o trabalho estava concluído.
Mas, por acaso, no canto da mesa havia uma capa empoeirada com o titulo: ‘’O simples do cotidiano’’. Como as imagens felizes foram decupadas de maneira fácil e rápida, você se deu o direito de ver se tinha algo de bom naquele cd.
Com três minutos já se via lágrimas caindo dos seus olhos. No vídeo, a cena onde resolveu ver o por do sol em uma pedra distante duas horas de sua cidade de origem, fez você lembrar o quanto estar em paz era gratificante... Depois, quando estava no décimo minuto, você se viu sozinho em seu primeiro apartamento se divertindo, improvisando um prato de miojo com vários temperos loucos. Por fim, já mais velho, as lágrimas, mais uma vez, lhe sucumbem ao rever o momento em que, sozinho, filmava seu filho andando de bicicleta pela primeira vez.
Obviamente, foram as imagens do cd perdido que preencheram grande parte do videoclipe de despedida.
Então, por acaso, percebeu que: ‘Devia ter complicado menos, trabalhado menos. Ter visto o sol se por.
Essa música, que inspirou o texto, vai para todos que, como eu, não aproveitaram esses momentos. Aqueles que, como eu, trocaram esses momentos por sorrisos falsos decorrentes do uso de substâncias licitas e ilícitas. 




Para aqueles que, como eu, querem que o vídeo seja editado com as imagens mais lindas possíveis. 

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